quarta-feira, 15 de abril de 2009

NA ROTA DA RACIONALIDADE CARTESIANA

Apontamento:

Etimologicamente, a palavra conhecimento significa "captação conjunta" e "compreensão".

"Não é no espaço que devo procurar a minha dignidade,
mas na direcção do meu pensamento.
Não terei mais de possuir mundos.
No espaço, o universo cerca-me e engole-me como um átomo: com o pensamento compreendo o mundo.
" - Blaise Pascal, Pensées.


Mas afinal o que é o racionalismo?
Sobre Descartes :
O método filosófico de Descartes inspira-se no método analítico da matemática e da física, tal como ele se desenvolvera no século XVII. Descartes quis, pois, transferir o método da matemática (ou da física matemática) para a filosofia; o método estabelece firmemente que, no pensamento científico ou filosófico, sigamos a “ordem das razões”, o nexo das “naturezas”, e não a “ordem das coisas”. Só há explicação, quando algo se insere na conecção de razão e consequências. Uma simples ordem classificatória não proporciona qualquer explicação. A tarefa nuclear do método é ordenar as proposições, os estados de coisas que lhes correspondem, de modo a que os últimos se fundamentem mediante os primeiros. O estabelecimento da ordem é tarefa do método.

O método de Descartes é método de inquietude e de esforço. A procura de clareza é penosa, difícil – e muito longa, visto que é infinita – arruína e destrói as antigas tradições, as antigas certezas, os ídolos do nosso pensamento. É o preço que se paga para atingir o verdadeiro. O objectivo de Descartes é encontrar alguma coisa de que se não possa duvidar e que, ao mesmo tempo, lhe permita abandonar a dúvida. Descartes coloca em dúvida as evidências sensoriais, já que os sentidos nos enganam por vezes, como tal, estes não poderiam ser um critério para distinguir a verdade da falsidade.

O Racionalismo surge como uma forma possível de encarar o problema do conhecimento, assim, apresenta a razão, o pensamento, como a única fonte credível do conhecimento, pois só a partir dela se adquirem conhecimentos universalmente válidos e logicamente necessários; a matemática apresenta-se como o exemplo a seguir.

Dito de outra maneira, o racionalismo é a corrente filosófica ou doutrina que afirma que tudo que existe tem uma causa inteligível, mesmo que não possa ser demonstrada de facto, como por exemplo a origem do universo. O racionalismo privilegia a razão em detrimento da experiência do mundo sensível como via de acesso ao conhecimento. O racionalismo é baseado nos princípios da busca da certeza e da demonstração, sustentados por um conhecimento a priori, ou seja, a razão.

Os racionalistas consideram que só é verdadeiro conhecimento é aquele que for logicamente necessário e universalmente válido, isto é, o conhecimento matemático é o próprio modelo do conhecimento.

Do ponto de vista do racionalismo, várias foram as posições. O apontamento que se segue, está na linha do racionalismo cartesiano.
A forma mais antiga de racionalismo talvez tenha sido representada por Platão. Como considera que o mundo da experiência está em constante mutação, o saber que dele se obtém não pode ser considerado verdadeiro. Não podemos, pois, confiar nos dados fornecidos pelos sentidos.

Logicamente, os conteúdos credíveis da nossa consciência só podem provir de um mundo imutável, transcendente a este em que nos encontramos e que Platão designa por mundo inteligível. Aí se encontram as ideias, que são a verdadeira realidade, e que o homem contemplou numa existência pré-terrena. O conhecimento consiste na recordação destas ideias. Como as ideias que se encontram na alma humana têm a sua verdadeira origem no mundo supra-sensível, o racionalismo platónico ficou conhecido por racionalismo transcendente.

Segundo a interpretação racionalista, as ideias fundamentais para o conhecimento humano são inatas, ou seja, originárias da razão. Quer essas ideias se encontrem na mente como algo acabado, como considera Descartes, quer elas se assemelhem a embriões que futuramente serão desenvolvidos, como defendia Leibniz, a alma humana nunca é uma tábua rasa despida de ideias, como afirmavam os empiristas.

Descartes diz que, para bem conhecer o real, o real físico tal como se encontra em si mesmo, tal como se encontra fora de nós, precisamos antes de tudo de recusar qualquer contribuição e qualquer informação que nos venham, ou pareçam vir, de fora, ou seja, qualquer contribuição e qualquer informação que nos venham da percepção sensível, (dos sentidos) que só nos poderiam induzir em erro.

Precisamos de fazer tábua rasa do nosso mundo habitual - o senso comum, aí está o inimigo - e excluir do real tudo o que, comummente, nos parece pertencer-lhe: a cor, o calor, e mesmo a dureza e o peso.
Para conhecer o real precisamos de começar por fechar os olhos, tapar as orelhas, renunciar ao tacto; precisamos, pelo contrário, de nos virar para nós mesmos, e procurar, no nosso entendimento, ideias que sejam claras para ele.

O método de Descartes é método de inquietude e de esforço. A procura de clareza é penosa, difícil – e muito longa, visto que é infinita – arruína e destrói as antigas tradições, as antigas certezas, os ídolos do nosso pensamento. É o preço que se paga para atingir o verdadeiro.
O método é o único caminho capaz de nos libertar do erro, da indecisão e da dúvida, e levar-nos ao conhecimento da verdade. O método são "regras certas e fáceis, permitindo ao que as observar exactamente não tomar nada falso por verdadeiro, e obter sem esforços inúteis do seu espírito, mas aumentando sempre o seu conhecimento por degraus, o conhecimento verdadeiro do que ele for capaz de saber" - Descartes, Regra 4. Diz Châtelet que "a filosofia não é apenas uma ciência que se conforma ao método; é a ciência que recebe do método a função de fornecer às demais ciências os seus princípios."



As regras do método: Evidência (Clareza e distinção); Análise (intuição); Síntese (dedução e ordem); Enumeração (é a revisão, tão geral que permita ter a certeza de nada omitir). Enquanto a análise é um processo de divisão até chegar às naturezas simples captadas pela intuição, a síntese é uma reconstrução dedutiva do complexo a partir do simples, seguindo uma determinada

A dúvida é como a pedra-de-toque da verdade, o ácido que dissolve os erros. A dúvida possui algumas características: radical, voluntária e livre, provisória, metódica e hiperbólica. A dúvida metódica é uma dúvida provisória e a dúvida céptica é uma dúvida permanente.

A dúvida hiperbólica apresenta a hipótese de um génio maligno.

As ideias são modelos do meu eu e representações da realidade objectiva. Descartes é um dualista, dado que, a par da razão, substancia pensante a que chama res cogitans, admite a existência de mundo físico que se revela à razão pela extensão (chama-lhes res extensa).

Descartes distingue três tipos de ideias: inatas, adventícias e factícias.

As ideias adventícias são aquelas que nos chegam a partir dos sentidos.
Ideias adventícias – são aquelas que provêm do exterior, dos objectos captados pelos sentidos. Porém, elas apresentam-se ao espírito de modo obscuro e confuso, pelo que há que duvidar delas, nada garantindo que correspondam às coisas reais. Como são enganadoras, também não podemos confiar nelas quando o objectivo é a obtenção de um conhecimento verdadeiro. Ideias adventícias porque são variáveis.
As ideias factícias são provenientes da nossa imaginação, uma combinação de imagens fornecidas pelos sentidos e retidas na memória cuja combinação nos permite representar (imaginar) coisas que nunca vimos. Por exemplo, cavalo alado, fadas, elfos, duendes, dragões, Super-Homem, etc. São as fabulações das artes, da literatura, dos contos infantis, dos mitos, das superstições, etc.

Ideias factícias – são aquelas que são formadas pela imaginação, isto é provêm da nossa capacidade de inventar a partir de coisas materiais, ideias representativas de seres quiméricos, puras ficções do espírito humano. Estas ideias podem ser geniais no contexto da arte, mas nada têm a ver com o conhecimento verdadeiro da realidade. Ideias factícias se são resultantes da imaginação.

As ideias inatas, são claras e distintas, não são inventadas por nós mas produzidas pelo entendimento sem recurso à experiência. Elas subsistem no nosso ser, em algum lugar profundo da nossa mente, e somos nós que temos liberdade de as pensar ou não. Representam as essências verdadeiras, imutáveis e eternas, razão pela qual servem de fundamento a todo o saber científico.
Por exemplo, a ideia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito), as ideias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a ideia de uma figura de mil lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil lados), etc.
As ideias inatas são "a assinatura do Criador" no espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as ideias inatas são colocadas no nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar quando uma ideia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as ideias factícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós).
Para além das ideias adventícias e factícias os homens possuem ideias inatas, ideias que, nascidas connosco, são como que a marca do criador no ser criado à sua imagem e semelhança.
Para DESCARTES só as ideias INATAS são "claras e distintas" ( 1ª Regra do Método), só elas podem oferecer um fundamento verdadeiramente capaz para edificar um conhecimento seguro.
As Ideias Inatas pertencem à nossa Razão, e não têm existência senão nela, porque aí foram depositadas pelo Ser Perfeito, Criador, sustentador ontológico e gnosiológico. Assim sendo, o conhecimento verdadeiro, seguro, só pode ter a sua origem na Razão - os sentidos só podem oferecer dados confusos e obscuros.
As ideias inatas são claras e distintas, o que significa que constituem um fundamento sólido para a razão trabalhar sem limites, desde que faça um uso correcto das suas possibilidades cognoscitivas. Inatas porque não dependem da experiência e são reconhecidas pela razão. Só as ideias inatas podem resultar conhecimentos universais e necessários. Tais ideias são princípios claros e distintos a partir dos quais e da dedução se constrói o saber de que as ciências matemáticas são o padrão.

Todo aquele que desejar possuir um conhecimento inabalável ( que resista à dúvida - demolidora, hiperbólica, metódica),um conhecimento Claro e Distinto, esse só pode encontrar tal conhecimento na Razão," a coisa no mundo melhor distribuída", mas que necessita que se faça dela um uso devido "Metódico" para explorar todas as suas possibilidades cognoscitivas.
As ideias inatas são fundamentalmente os conceitos matemáticos e a ideia de Deus.
Ideias inatas – são originárias da razão, fazendo parte da estrutura racional do homem. Colocadas na alma por Deus, são as únicas que se prestam a um verdadeiro conhecimento. É que, como Deus não é enganador, elas têm que corresponder a algo real. Por isso, o único conhecimento seguro é o que se obtém pela dedução de consequências lógicas dessas ideias.

Descartes no seu inatismo traduz a profunda confiança que tem na razão. A razão é a fonte de todo o conhecimento seguro e verdadeiro, faculdade universalmente partilhada, a razão ou bom senso é aquilo que define o homem como homem, o que o distingue dos outros animais.

Argumento ontológico:
Descartes diz que, só um ser perfeito pode ter posto em nós, seres imperfeitos, esta ideia de perfeição, pois o efeito não pode ser maior do que a causa, como tal, a evidência deste ser perfeito torna-o necessariamente existente.
"Para me poder enganar é necessário que eu seja ou exista como coisa que pensa (...). Mesmo admitindo que todas as minhas ideias são falsas pressupõe-se que tenho essas ideias." A certeza do eu sou e a clareza do eu penso resistem aos esforços da dúvida, por mais radical que seja. O pensamento implica o ser que pensa, dúvida e nega. Assim, o "Penso logo existo" apresenta-se como apreensão clara e distinta (intuição). O cogito surge como a primeira evidência (clara e distinta) que permite superar a dúvida, critério de verdade (modelo de evidência) e fundamento primeiro da nova filosofia.
A nossa razão não é vazia, o pensamento pensa as ideias. As ideias são como realidades objectivas e como realidades mentais.
Síntese:
As ideias inatas são as mais simples que possuímos (simples não quer dizer "fáceis", e sim não-compostas de outras ideias). A mais famosa das ideias inatas cartesianas, isto é, segundo Descartes, é o "Penso, logo existo". Por serem simples, as ideias inatas são conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida da dedução racional e da indução, que conhecem as ideias complexas ou compostas.
Assim:
Descartes é um dos representantes modernos do racionalismo.
O racionalismo cartesiano está intrinsecamente associado à sua teoria acerca das ideias. Descartes considera que o homem possui três tipos de ideias: as factícias, as adventícias e as inatas.
Para Descartes, conhecer é ter ideias. Estas podem ser:
Como as ideias inatas não resultam da contemplação de um universo inteligível, antes são algo que faz parte da estrutura da razão humana, a posição de Descartes é conhecida por racionalismo imanente ou inatista.
Ao pressupor a existência de ideias inatas na consciência do sujeito, o racionalismo considera que o conhecimento tem um fundamento de tipo estrutural. As ideias constituem uma estrutura anterior à percepção e com a qual a realidade percepcionada tem de estar de acordo.
Descartes, depois de analisar as evidências sensoriais, verificou que os dados dos sentidos por vezes enganavam: logo, a evidência sensorial não pode ser aceite como critério para distinguir o verdadeiro do falso.
Busca então uma evidência que se apresente indubitável por ter a forma de ideia clara e distinta; chega assim à célebre afirmação “Penso, logo existo”. Todo o conhecimento, para ser válido, deve ser deduzido deste e de outros também válidos, em raciocínios de tipo dedutivo “à maneira dos matemáticos”.
Segundo Descartes, o conhecimento logicamente deduzido das ideias inatas é verdadeiro;
O racionalismo cartesiano é sinónimo de inatismo, uma teoria de base estrutural;
O sujeito tem ideias inatas na consciência;
O sujeito submete-se às ideias inatas que correspondem ao objecto;
O racionalismo defende que as ideias básicas a partir das quais se chega a todos os conhecimentos são originárias da razão;
A dúvida é um instrumento metodológico para atingir a verdade, constitui um procedimento. A dúvida cartesiana é metódica e provisória, com o seu método passa a ser lógica, servindo para atingir a verdade, sendo esta também metodológica.
O conhecimento racional, tem necessidade lógica e validade universal;
A Matemática é o modelo de conhecimento do Racionalismo;
Não basta garantir o fundamento do Cogito, é preciso garantir o fundamento da própria existência (plano ontológico), no entanto Deus garante a nossa existência e a própria veracidade da sua existência (fundamento ontológico);
O Cogito é a garantia da evidência das coisas (plano epistemológico);
Conceitos a saber:

Intuição – é a captação imediata da evidência de uma ideia, é uma espécie de luz natural da razão que nos leva a descobrir as verdades inatas que servirão de fundamento, isto é, de ponto de partida e justificação para todo o sistema. A intuição é o processo lógico de inferência que consiste em derivar um conhecimento geral a partir de afirmações sobre alguns factos observados, ampliando o nosso conhecimento. A indução supõe um salto lógico, pois partimos de afirmações sobre casos particulares, e generalizamos, concluindo que é válido para todos os casos. No método científico, a perspectiva indutivista sustenta que a ciência começa com a observação e classificação de factos, a partir das quais, por generalização, se induzem hipóteses que são submetidas à experimentação. Se resistirem às exigências das provas experimentais, são confirmadas e aceites como leis válidas.

Dedução - "é a operação que permite passar de um termo a outro, apoiando-se na sua relação". É uma inferência de tipo matemático, e não silogística. Não é mais do que uma intuição sucessiva a partir de naturezas simples e das suas conecções.

Transcendente – O que se situa para além ou fora de um domínio considerado e que não é da mesma natureza. Aparece, muitas vezes, associado a uma ideia de superioridade, como algo que está acima e que é de uma natureza superior. Por exemplo, o Deus da Bíblia é transcendente ao mundo.

Imanente – O que é interior ao ser ou ao objecto do pensamento.

Ficha de trabalho

GRUPO I

1 – Clarifique o sentido de intuição e dedução.
2 – Faça a distinção entre transcendente e imanente.
3 – Caracterize o racionalismo cartesiano.
4 – Quais as ideias fundamentais do racionalismo.
5 – Qual o papel da dúvida e a sua aplicação no pensamento de Descartes?
6 – Em que consiste uma ideia clara e distinta?
7 – Qual a importância do “Eu penso, logo existo” para o sistema cartesiano?
8 – De onde provêm as nossas ideias verdadeiras segundo Descartes?
9 – Como é ultrapassado o solipsismo cartesiano?
10 – Qual a primeira verdade que Descartes encontra e por que a considera como tal?
11 – Como explica a hipótese do génio ou deus maligno ou manhoso na filosofia cartesiana?
12 – O que é conhecer com a razão segundo Descartes?

GRUPO II
1 – Elabore um pequeno texto em que mostre a razão de o falso e o verdadeiro estarem ao mesmo nível, não havendo, como tal, graus de verdade.
2 – Quais os argumentos apresentados por Descartes para demonstrar a existência de Deus?
3 – Clarifique o argumento ontológico cartesiano.
4 – Esclareça a posição cartesiana quanto à origem do conhecimento.

GRUPO III
1. Atente às afirmações que se seguem e assinale as que são verdadeiras com um V e as que são falsas, com um F.

a) Para os racionalistas, os sentidos não podem ser a fonte do conhecimento verdadeiro porque nos enganam algumas vezes; - V
b) Os racionalistas situam a fonte do conhecimento na razão; - V
c) Os filósofos racionalistas, como Descartes, buscam o conhecimento absoluto; - V
d) O racionalismo nega a existência de ideias inatas; - F
e) O racionalismo considera a Matemática como modelo de conhecimento; - V
f) A hipótese do génio maligno é usada por Descartes para demonstrar que não é possível atingir a verdade; - F
g) Para Descartes, é mais real a existência do eu pensante ou cogito do que a existência do corpo e do mundo que nos rodeia; - V
h) Para Descartes a ideia de Deus é uma ideia inata; - V
i) Para Descartes, o conhecimento verdadeiro não existe; - F
j) Na filosofia cartesiana, Deus é a garantia da verdade de todo o conhecimento; - V
l) Para os racionalistas, só o conhecimento racional permite conhecer a realidade; - V

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